sábado, 16 de novembro de 2013

A (FALSA) POLÊMICA SOBRE O ENSINO DA LETRA CURSIVA



A defesa para o não ensino da letra cursiva tem, dentre outros, o seguinte argumento basilar: nossa sociedade está cada vez mais informatizada e, por isso, os escritos que circulam não são, em sua maioria, apresentados em letras cursivas. A ideia então é: para que perder tempo ensinando para crianças algo pouco usado?
No entanto, há mais complexidade do que o exposto no argumento dado e a questão que se coloca é a seguinte: a letra cursiva ainda circula socialmente em esferas diferenciadas. Portanto, nossos alunos precisam conseguir decifrar a escrita que se apresenta por meio das letras cursivas. Ponto. Não há que se ter polêmica aqui. A não ser que se acredite, ingenuamente, que é possível proibir as pessoas de todo o país de usarem esse tipo de letra, instantaneamente. Enquanto ela circular por aí a escola tem sim que ensinar a criança a ler as letras cursivas.
O que se pode colocar como uma questão a ser debatida é: a criança não, necessariamente, precisa escrever com letra cursiva. Depois de aprender a usar esse tipo de letra, depois de dominar a leitura das cursivas, é possível que se dê ao aluno a possibilidade de refletir sobre qual tipo de letra prefere usar em seu cotidiano. Portanto, a recusa em usar as cursivas precisa ser do aluno. Não pode ser da escola, pois, se assim fosse, os alunos teriam seu direito ao texto “cursivo” negado em sua trajetória escolar.
Pessoalmente, acredito que a letra cursiva pode ser introduzida após a alfabetização, pois quando a criança já entende o sistema de escrita alfabética está mais perto de conseguir ler as cursivas, dada a complexidade do traçado. Obviamente, isso significa que não faz sentido cobrar de uma criança que ainda não lê com proficiência o domínio de traçados perfeitos de letras cursivas (aliás, cobrar um traçado perfeito não faz sentido a qualquer tempo, é preciso que tenham letras legíveis, não é necessário que sejam calígrafos). As crianças precisam ler. E precisam fazer isso de maneira autônoma. Esse é o papel da escola.
Vale lembrar que a polêmica da letra cursiva tomou ainda mais fôlego no Brasil recentemente, depois que os estadunidenses anunciaram a sugestão de abolição das cursivas por lá, visto que, de acordo com o veiculado em matéria do jornal O Estado de S. Paulo, para eles, a maioria das crianças escreve por meio do computador, o que faz com que a escola não tenha que perder tempo com o ensino desse tipo de letra. O que precisa ser enfatizado aqui é: essa é uma tentativa. Não há uma lei estadunidense que proibida esse ensino, pelo simples fato de que, como já mencionado, não é a escola quem decide como as pessoas usam a língua na sociedade. O que os estadunidenses estão fazendo é sugerir que as escolas não priorizem esse tipo de letra e que possam optar por ensiná-la ou não. Não há abolição sumária.
Bem, pensando no Brasil, a questão é ainda um pouco mais delicada e exige que sejamos realistas. Apesar dos números otimistas em relação à expansão da informatização no país, não podemos considerar que todas as nossas crianças se comunicam primordialmente por meio de computadores. Seria, no mínimo, falacioso pensar assim. De acordo com o IBGE, “entre os 10% mais pobres, apenas 0,6% tem acesso à Internet [...]. Somente 13,3% dos negros usam a Internet, mais de duas vezes menos que os brancos (28,3%). Os índices de acesso à Internet das Regiões Sul (25,6%) e Sudeste (26,6%) contrastam com os das Regiões Norte (12%) e Nordeste (11,9%)”. Isso sem mencionar que, ainda de acordo com o IBGE, a maior parte dos usuários de computador do Brasil usa lan houses, pois não têm computadores em casa.
Bem, é preciso olhar para o mundo antes de pensar em mudar a escola. As coisas não funcionam assim: a escola decide como vai ser e todo mundo obedece. Se fosse assim, ainda estaríamos falando “vossa mercê” e não “você”. Portanto, não cabe à escola decidir se as pessoas vão ou não usar a letra cursiva. As pessoas usam esse tipo de letra e isso é um fato e não é uma hipótese colocada como opção para a escola. Diante disso, enquanto a sociedade usar esse tipo de letra é papel da escola ensiná-la.
O debate, portanto, pautado na dúvida posta (é ou não papel da escola ensinar as cursivas?) é uma questão contrassensual per se. Penso que a escola precisa começar a selecionar aquilo que de fato tem valor para o debate. Enquanto nos ocuparmos de (falsas) polêmicas, nossos alunos pouco ganharão, tanto nas cursivas quanto nas letras bastão.

FONTE:

 www.napontadalingua.net



Um comentário:

  1. Gostei muito do texto. É exatamente como eu também penso.
    Sou alfabetizadora há 21 anos e já alfabetizei com todos os tipos de letra. Na minha opinião, não importa o tipo de letra, mas a forma como incentivamos nossos alunos a ler e escrever. Não é o tipo de letra que vai fazer diferença, mas acho que devemos trabalhar com todas. Apesar de estarmos num mundo informatizado, a caneta não vai ser extinta, portanto a cursiva, na minha opinião, é mais rápida para escrever e não deve ser abandonada.
    Como já diz no texto, deixar para depois da alfabetização e jamais exigir um ou outro tipo de letra, mas deixar que o aluno decida qual letra irá usar com predominância.
    Abraço!

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