Em tempos de era digital, o uso da letra
manuscrita, sobretudo a cursiva, está ficando praticamente restrito à escola. No
mundo do trabalho, dominado pelos computadores, muitos nem se lembram direito
como escrever à mão, quanto menos fazer todas as “voltinhas” no caderno de
caligrafia. Com exceção de poucos bilhetes ou assinaturas em documentos
oficiais, até a própria escrita manual já é rara. Ninguém quer mais escrever no
papel com medo de a letra parecer feia ou de não poder mudar de ideia e
“deletar”. Enquanto isso, na sala de aula, as crianças passam anos aprendendo a
desenvolver diferentes traçados até chegar, finalmente, à letra cursiva, quase
sempre a mais complicada para os alunos.
Se o trabalho dos
professores costuma ser grande e a aplicação prática é pequena, ainda vale a
escola reservar tempo para o ensino da letra cursiva? Conhecer apenas a letra de
forma não seria suficiente para ser alfabetizado hoje?
O tema é controverso e
a resposta não é tão simples.
Para aqueles que defendem a necessidade da
escrita cursiva, tecnicamente chamada de amalgamada, a principal justificativa
para o ensino é a fluência, a rapidez que essa forma proporciona na hora de
escrever, já que não é preciso tirar o lápis ou a caneta do papel a cada letra.
Mas qual é a necessidade de ser tão rápido? Para poder tomar notas durante
qualquer situação em que a tecnologia não esteja disponível.
Porém, se o
uso de computadores, smartphones e tablets se tornar uma
realidade nas escolas, ainda assim a letra cursiva teria seu espaço garantido? O
especialista em alfabetização João Batista Araujo e Oliveira, presidente do
Instituto Alfa e Beto, acredita que ainda é cedo para colocar essa questão na
ordem do dia das escolas. “Pelo menos por enquanto, mesmo nos países altamente
influenciados pela tecnologia, a escrita ainda é muito utilizada nas situações
práticas da vida. Seria temerário que as próximas gerações não cheguem à vida
adulta com esses instrumentos. Se algum dia a escrita manuscrita for abolida, aí
sim a escola não precisa se preocupar mais com isso”, afirma.
A escrita
cursiva ainda é uma exigência em algumas provas, alguns vestibulares e concursos
públicos. Mas muitos já passaram a aceitar também a letra de forma ou de
imprensa, como também é chamada, desde que seja feita a diferenciação entre
maiúsculas e minúsculas. E aí é que está o problema. Muitas pessoas saem do
ensino fundamental sem saber fazer as duas formas. O professor da Universidade
Federal do Paraná (UFPR) Geraldo Peçanha de Almeida explica que na educação
infantil muitas vezes os educadores passam três anos ensinando apenas a letra
bastão maiúscula (ou caixa alta) para facilitar o processo de aprendizado.
Depois a criança começa a aprender a letra cursiva e acaba não treinando
suficientemente as letras de forma minúsculas. “E não se pode escrever tudo em
letra maiúscula, é um erro ortográfico”, lembra. O docente ressalta que se a
escola focasse no ensino dos dois tipos não haveria empecilho em escolher esta
forma de escrita ao invés da cursiva se a criança se adaptasse melhor. “Se a
escola ensinasse a maiúscula e a minúscula não haveria nenhum problema de a
criança escrever o resto da vida em letra bastão”, resume.
Dificuldade de aprendizado
O processo de ensino
da letra cursiva geralmente começa entre os 6 e 7 anos de idade e exige
habilidades relacionadas à coordenação motora fina. Até pegar prática e fazer um
traçado legível a criança demora cerca de três anos. Isso significa que, em
média, por volta dos 9 anos o estudante terá desenvolvido a forma de escrita que
utilizará ou não ao longo da vida – dependendo de como a tecnologia evoluir e a
sociedade se adaptar às mudanças.
Não são raros os alunos que têm
dificuldade para aprender a letra cursiva. E existem vários motivos associados
ao problema. O professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de
Araraquara, Luiz Carlos Cagliari, acredita que a deficiência no aprendizado está
relacionada à metodologia de ensino. “Em geral, vejo que crianças problemáticas
com a escrita não apresentam o mesmo tipo de problema quando desenham. Então, há
algo de errado com o modo como são ensinadas. Adotando várias etapas para se
chegar à escrita cursiva fica mais fácil.”
Cagliari sugere o uso de
gabaritos para facilitar a escrita, além de um pouco mais de paciência do
educador, que pode deixar o aluno usar a escrita maiúscula ou bastão enquanto
ele não se sentir à vontade com a forma concatenada. Entretanto, alerta que o
maior problema é quando o aluno não sabe ler escrita cursiva, que muitas vezes é
opaca aos olhos da criança, pois as letras não são tão separadas e diferenciadas
quanto na forma bastão.
Geraldo Almeida defende que a letra cursiva seja
ensinada mais cedo, ainda na educação infantil, para facilitar o processo. “A
partir do momento que a criança reconhece na letra bastão que determinada marca
é ‘A’, se ela reconhece esta marca para o som ‘A’, já pode ser introduzida a
letra cursiva.” O professor da UFPR lembra que além da coordenação motora fina
da ponta dos dedos, que costuma ser bem exercitada nas escolas e acaba sendo
também naturalmente mais desenvolvida por causa da familiaridade das novas
gerações com o teclado, é preciso trabalhar todo o segmento do braço para
possibilitar a movimentação adequada durante a escrita.
De qualquer
forma, Almeida acredita que a escola não deve ficar focada apenas na dificuldade
da criança porque algumas podem nunca aprender a escrita cursiva, porém isso não
significa que não sejam alfabetizadas. Ele diz que insistir nesta forma de
escrita prejudica ainda mais o desenvolvimento do aluno. “Não seria o caso de a
escola continuar batalhando para a criança fazer a letra cursiva porque esse
bloqueio motor vai levá-la a um bloqueio mental também”, afirma. Nesta situação,
o professor sugere que a instituição continue o processo de alfabetização desse
aluno com letra bastão maiúscula e minúscula.
Cagliari insiste que o
problema está mais no lado de quem ensina do que de quem aprende. Ele destaca
que muitas escolas sequer passam aos educandos o conhecimento de como segurar o
lápis de modo correto. “Alguns alunos começam a escrever como se fossem
canhotos, colocando a mão acima da linha de escrita, porém usando a mão direita.
Alguns escrevem segurando o lápis como se fosse um bastão e ao escrever não
conseguem ver o que estão fazendo. Um pouco de disciplina artística no uso do
material de escrita ajuda a evitar problemas.”
Espécie
em extinção?
Qual teria sido a reação na época se alguém
dissesse que o pergaminho e a caneta-tinteiro iriam desaparecer? Nem sempre as
mudanças são vistas com entusiasmo em um primeiro momento. Será que a letra
cursiva – quiçá a escrita manuscrita de forma geral – também está próxima de se
tornar obsoleta? Os especialistas se dividem entre os mais puristas, que temem a
perda deste conhecimento, e os mais vanguardistas, que acreditam que é preciso
evoluir com a tecnologia. Porém, todos concordam que no momento atual a escrita
ainda é uma necessidade social. “Do homem das cavernas ao homem moderno,
precisamos da escrita por uma questão de cidadania”, afirma o professor da UFPR.
Entretanto, ele mesmo acredita que esta realidade está com os dias contados e
diz que se no mundo do trabalho a escrita manuscrita sobreviver por mais 10
anos, no ensino fundamental não passará de 50 anos, o que significa que os
professores precisam desde já começar a debater a questão. “A letra manual não
tem mais espaço na sociedade. Porque não temos mais o cronológico (tempo)
disponível para ela”, dispara.
Já o pesquisador da Unesp não concorda
que a escrita manuscrita, inclusive a cursiva, irá desaparecer das instituições
de ensino nem da vida das pessoas na sociedade. Por outro lado, Cagliari admite
que a escrita via computador poderá ser mais utilizada do que a caneta ou
qualquer outra coisa. “Isso é próprio da evolução da civilização e quem não se
adaptar irá ficar para trás, com muitos problemas. Portanto, a escola deveria
usar cada vez mais computadores para todas as atividades de escrita, desde a
pré-escola”. Mesmo assim, ele defende a importância de possuir as duas
habilidades de escrita: manuscrita cursiva e escrita digitalizada, pois acredita
que a falta de uma delas “significa uma restrição para a vida de um indivíduo no
mundo de hoje”. Além disso, Cagliari diz que é uma vantagem cultural dominar
todas as formas.
Para o presidente do Instituto Alfa e Beto, a escola
precisa ser prudente e esperar a escrita desaparecer primeiro antes de agir.
Sobre o uso da forma cursiva ainda nos dias de hoje, declara: “A letra cursiva é
mais eficiente: você raramente tira o lápis do papel. Esta é a única razão para
dominá-la. Mas é uma razão muito forte. É preciso ter muita prudência para não
descartar a sabedoria e a experiência acumulada pela humanidade.”
Com
relação às habilidades motoras que escrever com letras concatenadas proporciona,
todos são unâmimes em dizer que não existe uma perda de coordenação no
desenvolvimento do aluno que não pratica a escrita cursiva. Esta capacidade é
aprimorada em diversas outras atividades escolares. Para responder a pergunta
sobre se ainda vale a pena reservar tempo em sala de aula para ensinar a letra
cursiva, é preciso “ter bola de cristal”. Existem muitos indícios de que o uso
da escrita manuscrita está desaparecendo, sobretudo quando se olha para o mundo
do trabalho e para o aumento progressivo dos computadores nas escolas. Porém,
ninguém sabe qual é o momento certo de abandonar um conhecimento em prol de
outros. O mais importante por enquanto é ponderar sobre a questão para ter a
capacidade de se adaptar às mudanças que afetam a sociedade e, consequentemente,
não podem ser ignoradas pela escola.
(Yannik
D´elboux)
Oi Isabel!
ResponderExcluirBoa semana para você!
Esta polêmica em relação a letra cursiva já vem de tempo.
Nós na escola não obrigamos o alunos a fazer a grafia cursiva quando este está alfabetizado e tem dificuldade para o traçado deste tipo de letra.O que nos vale é a capacidade e a habilidade de aprender bem e saber os conteúdos.
Temos poucos casos e respeitamos.
A vida fora da escola não obriga a letra cursiva para a linguagem escrita cursiva.Penso assim e tenho como parâmetro.
Até mais e parabéns por esta postagem.
Bjos!