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domingo, 3 de março de 2013

A IMPORTÂNCIA DO BRINCAR


     




Quando o tema é importância do brincar no desenvolvimento infantil, a educadora Adriana Friedmann é referência. Cofundadora da Aliança pela Infância no Brasil, é autora de diversos livros que abordam o assunto, como "O brincar no cotidiano da criança" (Ed. Moderna, 2006) e “A Arte de Brincar: Brincadeiras e Jogos Tradicionais” (Ed. Vozes, 2004). Formada em Pedagogia pela Universidade de São Paulo, mestre em Metodologia do Ensino pela Unicamp/SP e doutora em Antropologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Adriana Friedmann concedeu a seguinte entrevista ao Cenpec em julho de 2009:



Brincar tem um valor em si ou a brincadeira deve ser selecionada e direcionada para adquirir potencial educativo?

O brincar tem um grande valor em si mesmo como ato espontâneo do ser humano. O brincar é uma linguagem expressiva que tem códigos próprios e uma gama de significados ainda a ser desvendada. Por trás do brincar há inúmeras mensagens que falam do ser e do estado de cada indivíduo, das suas emoções, das suas vivências, medos, valores, formas de ver o mundo e do seu estado de desenvolvimentos físico, mental e emocional. O brincar já tem por ele mesmo um imenso potencial educativo e de desenvolvimento de habilidades em todos os âmbitos. Porém, se o brincar quiser ser utilizado para introduzir conteúdos, para propiciar determinadas situações, para sensibilizar, para ensinar ou diagnosticar problemas, ele tem esse grande potencial também.

Que papel desempenha o educador no momento das brincadeiras/jogos utilizados como instrumentos pedagógicos? Dentro de que limites ele deve atuar para que as atividades lúdicas mantenham a espontaneidade e não deixem de ser brincadeiras?


O educador precisa se desenvolver no sentido de ser um observador, aquele que irá perceber e reconhecer, através das situações lúdicas, necessidades, interesse e potenciais tanto individuais quanto dos diversos grupos junto aos quais atua. A partir de tais observações das atitudes, posturas, comportamentos das crianças, jovens ou adultos, o educador tem em mãos um riquíssimo material para poder elaborar propostas, desenvolver currículos adequados, adequar atividades que respondam, tanto aos seus objetivos concretos, quanto às necessidades apontadas pelos grupos. Necessidades estas que aparecem nas situações lúdicas. Nesse sentido é função do educador propor atividades que considere interessantes para o grupo, para o tratamento de determinado conteúdo ou de determinadas situações. Mas o educador não pode estar o tempo todo direcionando as atividades. Deve equilibrar o tempo em que propõe, deixa os grupos ou as crianças brincarem de forma livre (tempo este essencial para as observações e registros) e o tempo em que ressignifica suas propostas a partir de uma dialogia entre currículos, realidade pontual de cada grupo, teorias e suas percepções pessoais. Nem sempre é recomendável o educador intervir em situações de conflito - estando atento para que as situações possam ser resolvidas entre os envolvidos sem deixar chegar em atos violentos: o conflito é necessário e constitui um desafio e uma oportunidade de desenvolvimento dos envolvidos. Assim mesmo, acompanhar, através da observação, diálogos, atitudes de crianças que brincam mais sozinhas, ressignificação ou criação de brincadeiras, é um dos importantes papéis do educador.

A utilização de atividades lúdicas é adequada apenas na educação infantil? Em caso negativo, a que aspectos o educador deve estar atento ao selecionar brincadeiras para diferentes faixas etárias?

As atividades lúdicas que compreendem, não somente as brincadeiras e jogos, mas também as expressões plásticas, musicais, corporais e de movimento e escritas, são adequadas e importantíssimas em todas as faixas etárias, inclusive em adultos e terceira idade.
Ao selecionar brincadeiras ou atividades lúdicas, o primeiro passo é conhecer o grupo e suas necessidades e interesses - ouvindo-os, observando-os e conhecendo seu estágio de desenvolvimento integral.

Interessa a história de vida de cada um e é importantíssimo um conhecimento de cada cultura, em particular. Estas informações precisam ainda dos conhecimentos da Psicologia do Desenvolvimento, não no sentido do educador tomá-las como padrões de normalidade a serem atingidos, mas como referenciais-guias que levem o educador a adequar suas propostas a cada grupo em particular.

O educador deve selecionar atividades lúdicas que ele conheça e com as quais ele já tenha tido vivências pessoais e conhecimento das diversas técnicas.

Quando se pensa em crianças, há uma série de conteúdos no que diz respeito a segurança, adequação de espaços e materiais que também precisam ser levados em conta.

Por que os atos de brincar e aprender ainda são considerados momentos distintos? Essa concepção está relacionada à formação dos professores?

Não é evidente nem garantia que sempre que a criança brinca aprende, mas é muito comum que a brincadeira ou atividade lúdica propicie diversas aprendizagens, nem sempre as pretendidas ou esperadas. Nesse sentido, os professores não 'confiam' no brincar como um dos meios potenciais de aprendizagem. Para que esta confiança se estabeleça, o caminho mais importante passa pela formação continuada que não pode ficar restrita ao estudo teórico, mas deve ser complementada com as vivências que inexistem na maior parte dos cursos de formação. Sem vivências que possam enriquecer as teorias e autores apresentados, através da reflexão, não há como os professores se apropriarem do brincar como caminho educacional.

Essa utilização das brincadeiras em sala de aula ganha maior relevância nos tempos atuais em que as crianças/adolescentes deixaram de ocupar a rua e os espaços públicos?

As brincadeiras vêm sendo usadas em sala de aula desde a época dos jesuítas, mesmo em épocas em que o espaço público e a rua eram espaços naturais de convivência. Com a falta dos mesmos e a sobrecarga de atividades no cotidiano das crianças, o brincar foi desaparecendo. A partir das inquietações das crianças, percepções dos professores, um boom nas pesquisas e publicações na área do brincar e a recomendação do brincar nos PCN´s, ele tem tentado adentrar as salas de aula com mais consciência. O grande perigo, porém, é a pedagogização deste brincar, uma excessiva instrumentalização de uma atividade que deveria ser respeitada como sendo, ao mesmo tempo, da natureza das crianças e construída e ressignificada por elas, necessária para a convivência e o desenvolvimento integral. É nesse sentido que o tempo do recreio é tão fundamental nos tempos atuais e deve também ser considerado tanto o tempo da criança ser criança - na sua acepção mais ampla - como o tempo, talvez mais importante - de observação/pesquisa dos professores para levantarem elementos que irão auxiliá-los na elaboração das suas propostas.

No combate ao trabalho infantil, por exemplo, enfatiza-se bastante esse direito de brincar da criança. Por que esse direito desempenha papel tão importante no desenvolvimento pleno, na formação do adulto que essa criança se tornará um dia?

O direito ao brincar é enfatizado em todos os âmbitos porque ele é um das principais meios de expressão da essência de cada ser humano, o espelho das culturas infantis, a possibilidade de, sem sabê-lo, falar dos seus momentos, das suas vivências, das suas habilidades, dificuldades, potenciais.  Esse direito é também o direito ao tempo livre, ao tempo de se conhecer, de conhecer o outro e conhecer o mundo a sua volta. É o tempo da liberdade, dos desafios e de testar limites internos e externos.  Momento de trocas, de apreensão de valores, de adentrar um universo que está em outro tempo e dimensão ao qual o adulto só começa a ter acesso nas últimas duas décadas.





FONTE:

www.cenpec.org.br




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