Imagine-se numa sala de concertos, apreciando uma orquestra, com
violinos, trombones, violoncelos e flautas, entre outros instrumentos.
Você seria capaz de distinguir entre os sons produzidos pelos de sopro e
os de corda? A maioria dos leigos em música considera isso difícil. Da
mesma forma, identificar os sons que compõem uma sílaba é uma tarefa
complexa para os alunos que estão na transição da hipótese de escrita
silábica para a silábico-alfabética. Essa analogia foi feita pela
psicolinguista argentina Emilia Ferreiro, que sintetizou as conclusões a
que chegaram pesquisadores por ela orientados no recente artigo:
A Desestabilização das Escritas Silábicas: Alternâncias e Desordem com Pertinência.
A Desestabilização das Escritas Silábicas: Alternâncias e Desordem com Pertinência.
Análises
de escritas de crianças como Maria, 5 anos, foram a base da pesquisa da
argentina Claudia Molinari. Desafiada a escrever sopa, a
menina produz primeiramente uma escrita silábica: OA. Insatisfeita com a
quantidade de letras - já que nessa fase a maioria das crianças
acredita que sejam necessárias no mínimo três para garantir uma escrita
legível -, ela acrescenta SP. O resultado final é OASP. "Todas as letras
da palavra estão ali, mas em desordem (...). O que Maria produz são
duas escritas silábicas justapostas", pontua Emilia.
Em outra
etapa do estudo, ela observou crianças realizando a tarefa de escrever
consecutivamente uma mesma lista, primeiramente com lápis e papel e, em
seguida, no computador. Focou a análise, portanto, em pares de palavras,
o que evidenciou produções intrigantes, como as de Santiago, 5 anos. No
caderno, ele representa soda como SA e na tela como OD. Salame vira SAM no papel e ALE na tela. Apesar de conhecer todas as letras de soda e de salame, ele não as coloca juntas. O fenômeno, explica Emilia, é chamado de alternâncias grafofônicas.
Soluções
curiosas como a de Maria e Santiago já haviam sido observadas pela
pesquisadora mexicana Graciela Quinteros. Ela notou que crianças com
hipótese silábica usavam algumas letras com três funções específicas -
não correspondentes ao som da sílaba propriamente dito:
- Recheio gráfico: Para separar vogais iguais ou preencher um espaço dentro da palavra ou no fim dela.
A P A E A
á gua
AM OA
ma çã
- Curinga: Como
substituta de uma sílaba ou de uma consoante que a criança não sabe
grafar. A mesma letra aparece como curinga em várias palavras.
O MA B
to ma te
AB CI
ca qui
- Nome da sílaba: Para escrever uma sílaba inteira. É comum o uso do K para CA e do H para GA.
BI H D RO
bri ga dei ro
K SA
ca sa
Alternâncias
grafofônicas, escritas silábicas justapostas, uso de letras como
recheio gráfico, curinga e substitutas de uma sílaba. As sofisticadas
soluções são usadas pelos que estão saindo da hipótese silábica com
valor sonoro convencional e construindo uma silábico-alfabética. A
informação tem grande valor para o trabalho de professores como Danielle
Araujo, da EMEF Madalena Caltabiano Salum Benjamim, em Pindamonhangaba,
a 146 quilômetros de São Paulo, e da EMEF Professor Ernani Giannico, em
Tremembé, a 135 quilômetros da capital paulista.
Para não
confundir esses avanços com retrocessos, ela procura fazer avaliações
criteriosas. Esse é um ponto crucial, já que aparentemente a escrita dos
silábicos é mais estável e fácil de interpretar, diferentemente da dos
silábico-alfabéticos. "Quando estudei o artigo da Emilia sobre desordem e
alternâncias, passei a ver coisas que antes não via." Para conseguir
enxergar e distinguir as peculiaridades dos silábicos-alfabéticos,
Danielle se vale das sondagens individuais.
Ao identificar que o
estudante está nessa fase intermediária entre a hipótese silábica e a
conquista da base alfabética, como fazê-lo avançar? "É preciso criar
situações didáticas que favoreçam a reflexão sobre o sistema alfabético
de escrita, levando-o a analisar o interior das sílabas", explica. Isso é
útil quando ele se depara com palavras que começam e terminam com a
mesma letra. Para identificar a que procura, a criança tem de analisar
as letras do meio. O trabalho de Danielle se desdobra com Laiane de
Oliveira, do 4º ano, que tem deficiência intelectual. Para que ela
aprenda a ler e escrever, a professora flexibiliza as atividades (leia o quadro na próxima página).
Os erros mais comuns:
- Perguntar à criança "que letra está faltando?". Se ela soubesse, já teria colocado. O melhor é pedir que leia o que escreveu para que ela mesma decida por alguma alteração.
- Pedir que o aluno ouça o som da sílaba. O problema não é de audição, mas de concepção de escrita. Daí a importância de compreender como ele está pensando.
- Não orientar os estudantes por achar que eles devem construir a escrita sozinhos.
É preciso oferecer a todos informações sobre a grafia das palavras,
além de sugerir a eles fontes escritas e a troca com os colegas.
REVISTA NOVA ESCOLA
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